JÁ LÁ VÃO 50 ANOS
O presidente do Conselho olha
a barra do Tejo e deixa-se cair sobre uma velha espreguiçadeira de lona que se
partiu aos bocados. Salazar bate com a cabeça no chão. O calista, obrigado a
jurar que nem uma palavra diria sobre o acidente, ajuda-o a levantar-se e a
sentar-se noutra cadeira.
Salazar era visto pelo seu
médico assistente, professor Eduardo Coelho, de duas em duas semanas. A próxima
visita seria daí a dois dias. Só então o chefe do Governo, ainda no forte, lhe
contou que tinha batido com a cabeça no chão.
O médico não adivinhou nada
de bom. Salazar, de 79 anos, não tinha uma saúde de ferro. O professor Eduardo
Coelho terminou a consulta preocupado. E deixou ao chefe do Governo um sério
aviso: mandasse chamá-lo ao mínimo sintoma. Salazar volta ao trabalho.
Queixa-se de dores de cabeça e arrasta ligeiramente a perna direita. Ainda
assim, não manda avisar o médico e mergulha obstinado numa complexa remodelação
do Governo.
O Governo reúne-se pela
primeira vez em 3 de Setembro. Salazar está pior. Não fala, limita-se a ouvir.
Está pálido e curvado. Os ministros abandonam a reunião convencidos de que ele
está muito doente. Apenas em 5 de Setembro, o presidente do Conselho resolve
chamar o médico. Eduardo Coelho percebe imediatamente que o traumatismo craniano
tinha provocado um hematoma.
Salazar teria de ser operado,
o mais tardar, no dia seguinte. O médico pede ao filho Eduardo Macieira Coelho,
também ele médico, para procurar o neurocirurgião Moradas Ferreira. “Veja lá se
é alguém da Situação” – avisa a fiel governanta do velho ditador, Maria de
Jesus. Moradas Ferreira está incontactável, de férias na Madeira.
É chamado outro cirurgião:
Álvaro Athayde, director dos serviços de neurocirurgia dos Hospitais Civis de
Lisboa, que observa Salazar, em 6 de Setembro, e decide interná-lo. Ainda nessa
noite, Salazar é submetido a exames nos hospitais de São José e dos Capuchos.
Está cada vez pior: não consegue responder às mais simples perguntas e nem se
recorda em que Universidade se formou. Os médicos decidem operá-lo
imediatamente.
O sexto piso do Hospital da
Cruz Vermelha, em Lisboa, é evacuado. O presidente do Conselho, às 23h00, dá
entrada no quarto 68. A operação, conduzida por dois neurocirurgiões,
Vasconcelos Marques e Álvaro Athayde, terminou com êxito ao nascer do sol.
Nos dias seguintes, o
presidente do Conselho passeia pelo quarto e conversa. Ganha vida. Mas, a 16 de
Setembro, sofre um profundo acidente vascular do lado direito do crânio. Fora
operado do lado esquerdo para trepanação do hematoma.
Entra em coma profundo. Os
médicos perdem esperança. A morte é esperada a todo o momento. Manuel Nazaré,
médico e amigo pessoal de Salazar, ficou convencido de que o rebentamento da
artéria cerebral se deveu aos copinhos de vinho do Porto e de Aveleda que o
presidente do Conselho tanto apreciava e a governanta lhe deu às escondidas nos
dias que se seguiram à operação.
Os médicos, agora, não têm a
mais pequena dúvida: mesmo que sobreviva à trombose, Salazar ficará inválido.
Américo Tomás, convoca o Conselho de Estado para o dia 17. Os conselheiros
estão divididos quanto ao sucessor. De todos candidatos, Marcelo Caetano,
catedrático de prestígio, é o mais ambicioso e o que tem mais experiência
política.
Américo Tomás convida-o, na
noite de 26 de Setembro, para formar Governo. Dá-lhe posse no dia seguinte.
Salazar sobrevive à trombose, mas fica muito debilitado. Abandonou o Hospital
da Cruz Vermelha e regressou à residência oficial de São Bento.
Ninguém
lhe disse que estava reformado e já não era chefe do Governo. Continuou a viver
na residência oficial e recebia antigos ministros, que faziam de conta que
ainda mandava. A farsa durou 20 meses. Terminou com a morte, na manhã de 27 de
Julho de 1970. Tinha 81 anos.
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